terça-feira, 22 de novembro de 2016





reflexo de castanho abotoado
em seus olhos de mitra
nos cantos, a melancolia
ao centro, o silêncio tímido de véspera
ao fundo, um vulto carnívoro observa.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016




estado de graça

a coisa posta
que é dada à fantasia:
cria. e isso é tudo


antíteses e metonímias
recriam medidas e distâncias 
essenciais ao sonho


sucessivas vírgulas 
não perfilam texturas
e vísceras e margens


há também pouso
nas reticências
e furo nas exclamações


a torção está nos dois pontos
e o avesso na planície 
do papel em branco


o tempo desimportante
é o éter incendiado
em estado de graça
ou a graça em estado
de fantasia em ser esfinge
faca e até palavra.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016




quase poema, poema enfim

certa noite quase não durmo
uma engrenagem de ruídos 
acalentava minha insônia 
de escrever algo novo
e as pestanas da cama
me encobriam o enigma
daquela noite
quando enfim eu fechava
os olhos para o poema
que não veio
embriagado de vitória contra mim.



o todo e a parte

toda presença 
é uma presença toda
em parte
em parte sendo o todo
de um dia
(apenas)
e é mais do que suficiente
dentro das amplitudes
não tão lineares
que nos cabem

não à toa
podendo ser meio-termo
amo e odeio
o minuto, esse despeito bêbado 
quando não, uma parte
considerável do mistério
que é pêndulo

a matéria em decomposição 
fora do plano dos olhos
minha presença se avizinhando
na seiva de teus cheiros
nessa manhã ausente
de tarifa de embarque
para qualquer território 
de seu todo que me parte
as metáforas em palimpsestos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016




algo a se pensar
(para esperando leitor)

não quero soluções esquemáticas
nem joguinho fácil e barato de imagens e de palavras.
a poesia vai muito além da metáfora.
chega de fórmulas usadas em exaustão
por tantos poetas.
a magia de escrever na atualidade
não se limita a influência direta e repetitiva
de leminski, manoel de barros e augusto dos anjos,
com todo respeito aos três
em se tratando de verso.
amo-os igualmente.
o que critico é o “mais do mesmo”
nos dias de hoje,
tanto na composição
como na dispersam dos elementos
em se tratando de ritmo e de imagens
e também de ideias.
enfim, é só um debate que quero colocar
e deixar em aberto pra quem quiser
acrescentar algo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016



a todos que vivem de poesia

utopia libertadora é essa
de viver de poesia,
acreditar na sarjeta,
fornecer inutilidade pras pessoas.
“vender gato por lebre”,
como diria leminski.
e ainda cultuar o silêncio
sobre todas as coisas.
é... alguém tinha que ficar com a parte
carnal e espiritual da ausência.
a poesia nunca prometeu
a autossuficiência, só a suspensão.
e também nos pede a única coisa
que não podemos negar:
o espírito. jamais o corpo.
esse já tem dono; ou melhor, dona: a vertigem.



na transparência do vidro
e na fome da forma 
em ganhar sentido
o símbolo reina ininterruptamente 
em todas as direções.



a manoel de barros

nem sempre a imagem 
se agarra à palavra 
e a palavra à ideia de casca
quebrada sem nenhum arranhão 
que é só pretexto 
para dizer primavera 
com gosto de infância
em seus primeiros momentos 
de planta.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016





ao deus desconhecido, o homem

eu o vejo
no cerne da cidade
figura que cria
ao ser símbolo
em seu próprio processo
já foi isso
aquilo, urtiga
e terminou assim
a caminhar sem vazio
(o fim do fim, o último)
a vertigem cortada, ato iniciático
o peito rasgado de labuta
seu esqueleto sem alma
sua sombra sem corpo
(eis o fim, o famoso “meio”
no ocidente)