sexta-feira, 21 de dezembro de 2018






mil anos

entretanto,
você desperta depois de mil anos
e enfim descobre alguns bons poetas
que poderiam  ter sido bem melhores,
não fosse a preguiça, a inércia
e as olheiras de tanto dormir mal.






o ministério da literatura adverte:

o autoengano em relação a própria poesia
tem matado centenas de poetas
todos os anos, inevitavelmente.





evangelho grego

poesia é coisa de quem
nem sabe que gosta,         
de quem nem sonha que poesia
(também)
é uma das formas
de brincar com fogo
e levá-lo a outros,
por gerações.







uma boa e velha chantagem

poesia, é fifty-fifty
ou arriscarei uma fuga.
você pode me perder...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018






onisciência

solidão no campo
rua que passa
solidão na cidade
tarde que finda
solidão nas bibliotecas
noite deserta
solidão nas aldeias
olhos que rimam.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018




"é possível ser feliz"
eu seria muito mais feliz
com essa incompreensão
a respeito de tudo
com essa inabilidade 
de ver o mundo
com essa capacidade 
de aceitar as respostas fáceis 
exatamente como elas são
de acreditar em salvadores da pátria 
sem nenhum constrangimento 
de ser pleno na ignorância 
de ser criança com barba na cara
de falar de política 
como se estivesse nos bastidores
de ser mais um cientista político 
de boteco
de pagar caro pela bebida 
mais barata
de dar esmola pra si mesmo
como o pequeno burguês 
que ri da piada mais sem graça 
e dando graças por ser quem é.


quinta-feira, 1 de novembro de 2018







adoro seu adultocentrismo
e suas quatro personalidades
de seu caráter híbrido
e suas contradições de áries.


segunda-feira, 3 de setembro de 2018





quando você entende


quando você entende perfeitamente
o porquê da filha de sua namorada
mais velha não te entender
nem aceitar sua vida alternativa

"ele não tem perspectivas."

"o que que ele tem pra te oferecer?"

"você está agindo que nem
uma adolescente."

e você pensa com você mesmo
que ninguém tem que colocar
a responsabilidade da própria felicidade
nos ombros de ninguém.

é quando essa mesma namorada
diz pra filha que vai continuar
saindo com você independente
de qualquer coisa;
porque gosta de você,
porque se sente bem.

e você diz a ela
que não é saudável viver se culpando
nem aceitando que a culpem por tudo.

"há quanto tempo que ninguém
te agradece por nada?
nem que seja pelas pequenas coisas?
ou então por ouvir seus pequenos 'monólogos'?
você acha 'simplório' ser muleta dos outros?"


terça-feira, 10 de julho de 2018





um grande artista

tu, que nasceste no catete, em 1908,
e levado aos 9 para laranjeiras.
tu, que a partir dos 11 passarias a viver
quase definitivamente no morro da mangueira.
tu, que desde criança participavas
das festas de rua tocando cavaquinho
que aprendera com o pai.
tu, que só terminaste o primário
e aos 15 deixaste a escola
após a morte da mãe,
 e começaste tua vida de boêmio.
tu, que já foste tipógrafo e também pedreiro,
onde recebera teu apelido
devido ao fato de sempre usar chapéu
para que não sujaste a cabeça.
tu, que em 1925, junto com teu grande amigo
carlos cachaça, entre outros, fundara
o bloco dos arengueiros,
que depois ampliado e fundido com outros
já existentes no morro,
daria vida a segunda escola de samba carioca, em 1928.
tu, que escolheste o nome
e as cores verde e rosa
da estação primeira.
para o primeiro desfile foi escolhido teu samba.
 tu, que só foste conhecido fora da mangueira
em 1931, quando mario reis subiu o morro
para comprar uma música,
que acabou sendo gravada por francisco alves.
tu, que fizeste parceria até com noel.
tu, que já foste gravado por carmem miranda,
sílvio caldas, araci de almeida, etc.
tu, que junto novamente com carlos cachaça
compôs uma samba com o qual a mangueira
foi campeã pela primeira vez.  
tu, que chegaste no rádio e junto
com paulo da portela
criaste o programa “a voz do morro”, em 1940.
tu, que quase na mesma época sumiste
e alguns até pensaram que morreste.
compuseram até sambas em tua homenagem.  
tu, que com carlos cachaça, em 1948,
ganhaste mais um carnaval.
tu, que só foste redescoberto fora do morro em 1955,
quando sérgio porto o encontrou lavando carros
numa garagem em Ipanema.
nesta época também fazias bico como vigia.
tu, que foste levado para cantar na
mayrink veiga  e depois começaste a trabalhar
no diário carioca.
tu, que casaste com eusébia silva do nascimento.
com a mesma fundaste um restaurante
na rua da carioca, em 1964.
pena ter durado tão pouco.
tu, que só em 1974, aos 66 anos,
gravaste teu primeiro lp,
com o qual  ganhaste vários prêmios.
ainda gravaria mais três.
tu, que viraste pétala em 1980.
tu, e somente tu, cartola.
  
(sidney machado)

segunda-feira, 9 de julho de 2018





sobre a beleza
dona clara brinda 
a função cultural das privadas.





ela não se achava ciumenta
nem possessiva
nem dramática 
até que numa noite qualquer 
foi trocada por duas garrafas
de cerveja
e outra de cachaça.

segunda-feira, 25 de junho de 2018





uma certa nina

nina se achava feia,
uma adolescente feia,
sem príncipe ou sapo.
talvez devido ao fato
do irmão mais velho
tirar sarro dela
a chamando de bofrancineide,
antiga personagem do jô soares
que queria fazer parte
de um corpo de balé
fosse como fosse.
porém nunca conseguia
por ser gorda.
nina era esbelta, mas
quando se comparava
com a irmã magrela
se via enorme.
e engordou mesmo.
a sorte é que ela
tinha outro irmão
que a entendia,
além de ser gente fina.
ele virou seu ídolo,
o herói de um mundo que ruía.
ela passou a se vestir como ele
e a usar o mesmo perfume,
entre outras coisas.
isso durou vários meses.
sua mãe reclamava por ela
não ter atitude própria
e de assumir a personalidade
do irmão.
nina nem ouvia e continuava.
a ilusão acabou quando ela o viu
usando certo tipo de droga
num carnaval qualquer,
em saquarema.
foi um baque para uma menina
de apenas 14 anos.
por um lado foi bom.
nina entendeu que ninguém
era perfeito
e o referencial só podia estar nela.
e que o irmão era até bacana;
nada além disso.
e o mais velho,
um pé no saco. e pronto.


segunda-feira, 11 de junho de 2018






poema a partir de uma notícia antiga de jornal
              
eles formavam um casal até que bonito.
no entanto, estavam com problemas
no casamento.
decidiram flertar com outras pessoas
na internet. adotaram pseudônimos
e em seus perfis não havia fotos.
por acaso, acabaram trocando mensagens
e se apaixonaram um pelo outro.
resolveram se encontrar,
e descobriram quem eram.
o casal decidiu se matar.

segunda-feira, 4 de junho de 2018






"ver sempre foi tocar"

seu artigo até troca passos
com meu substantivo
já seu verbo destoa
da minha interjeição
seu pronome até poderia
ser um numeral
sua conjunção encerra
o meu mais pleno adjetivo
e sua preposição
é uma extensão
desse advérbio
que eu chamo de vida.

segunda-feira, 28 de maio de 2018





plano geral

a moça loira da barca
se olha no espelho
retoca o batom, os cílios
a moça da direita
apenas olha pra ponte
o casal de trás
fala sobre política
o homem da esquerda
permanece sério
mais à frente
um copo vazio
me absorve por completo.


(sidney machado)


terça-feira, 22 de maio de 2018





aos românticos e cínicos
aos que “sempre” esperam
uma boa alma que lhes pague
uma dose de cachaça
ou salve um beck
aos bajuladores que jogam
nos dois times
aos antissociais obsessivos
aos que te beijam no rosto
e depois cospem no seu corpo caído
aos raros, loucos e néscios...

o que seria do mundo
sem vossa existência?

quarta-feira, 16 de maio de 2018





apesares

apesar de uma vida de dissipações
apesar dos cigarros acesos
apesar do efeito da brasa
e da desenvoltura do fogo
apesar das palavras
apesar dos livros de poesia
e do preço da cachaça
apesar da loucura e da fuga
apesar de todos os movimentos
de arte e literatura
apesar dos pobres de espírito
apesar do corre pra pagar o aluguel
e apesar dessas mãos que se apunhalam
diante da vida
a vida, sempre ela, nos
espreita pelos nossos órgaõs.

sexta-feira, 11 de maio de 2018





aparecer como um completo estranho
não é tão distante assim
esses poemas são meus
minhas mãozinhas leves
o espírito também tem carne.





memórias de um retirante
a força do destino
tempo de crescer ou coisa assim
ser jovem
não tenham medo





os óculos, o quarto azul
uma constelação nas costas
a despedida
singularidades de uma rapariga loura.

segunda-feira, 16 de abril de 2018



o ponto mais frágil de um poema

ninguém é obrigado a produzir
provas contra si. mas
no início era só interesse.
depois virou amizade e sexo,
idas e vindas de barca,
encontros casuais.

com o passar do tempo
vieram coisas em comum:
música, livros, filmes
e mais sexo.
exceto cachaça e cerveja.
e vinho.
só eu que sempre bebo.

com o passar do tempo
em me permiti mais,
você se entregou a seu modo,
eu escrevi alguns poemas,
aprendi a não me acobertar
em meu orfanato
de pequenos blefes
e meias verdades.
sentimento não é um jogo
de cartas marcadas.
até porque
“a poesia sopra onde quer”.
a gente começa numa linha
nada linear,
circula e não sabe onde
vai dar. ou porquê chegar;
se é que tem que chegar.
aí vem a hora que a gente
precisa se desmontar
e flertar com o imponderável.
e até com o silêncio.
ou mesmo  com o ponto
mais frágil de um poema
e suas incertezas.

quarta-feira, 4 de abril de 2018




gostaria que você não ficasse com uma impressão errada sobre mim.
não acho justo da minha parte te trazer complicações por conta
dessa minha confusão,
e até agora eu não estava sabendo direito o que fazer.
muitas vezes você me disse que não queria se envolver
com uma pessoa confusa, 
e também que de forma alguma
eu deveria esconder coisas de você.
dado o que algumas vezes conversamos 
“ de falar tudo um para o outro”,
achei importante te dizer.
tenho muitas coisas suas aqui 
e tenho que te devolver.
você não precisa me encher de justificativas.
agora está tudo muito confuso e cheio na gente,
acho que não é uma logística favorável pra gente se encontrar.
eu sou um pouco impaciente para certos diálogos 
e acho que você
já me disse o que precisava ser dito.




talvez você esteja 
em sua cidade natal,
no interior da alemanha,
perto da fronteira com a frança,
pensando nas duas semanas;
aquelas duas semanas...
já se passaram três anos.
"abra aquele depósito
de informações inúteis, 
o dicionário. "
"não há nada especial sobre essa
organização de letras. damos às
palavras o valor que escolhemos."
"os corredores estão apinhados
de cadáveres, 
economicamente reunidos,
como em apartamentos japoneses. 
e todos nós respirando e nos
movendo..."
eu sabia exatamente o dia
em que você chegaria na frança,
onde passaria um semestre.
depois voltaria para a alemanha 
e seguiria sua vida.
e aquela vez que te parei
no meio da rua
talvez não tenha sido a última.

segunda-feira, 2 de abril de 2018




relativizar tudo em poesia
não cabe em poesia.
falar e falar e falar
e não concretizar o que se fala
no poema, ainda que palidamente,
não serve pra poesia.
se a sua poética é pífia
e mesmo assim você quer
problematizar sobre o poema,
saiba de antemão
que a sua pessoa
não serve pra poesia. 
vai fazer outra coisa.
se até agora você
não entendeu que a poesia
está acima de qualquer galerinha,
você não serve pra poesia. 
cria um grupo emo.
não use a poesia como muleta.

segunda-feira, 12 de março de 2018





há um milhão de pessoas exatamente como você

você se sente especial e único;
que o que você é ou faz
é diferenciado e merece ser respeitado
e admirado por todos.
você se rodeia de pessoas por solidão,
carência, interesse e falta de opção,
e diz que é por afinidade, simpatia
e amizade.
você não quer perceber, mas
"há um milhão de pessoas exatamente
como você e, quando você morrer,
haverá mais um milhão."
sua busca por validação externa
não se sustenta mais.
ninguém tem relação com sua carência.
sua solidão é coisa de sua cabeça.
as pessoas já têm seus próprios problemas
e não se sentirão culpadas
por sua vidinha de merda.
agarrar-se a uma coisa
e exibi-la como troféu
só expõe suas mazelas.
você não quer perceber, mas
"há um milhão de pessoas exatamente
como você e, quando você morrer,
haverá mais um milhão."






louco
novamente
escrevendo o que não quis
e o que não serei mais capaz de apagar.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018



amamos os vencedores
amamos quem tem uma bela história
tendo ao fundo uma historinha triste.
amamos quem tem resposta pra tudo,
ainda que seja quase sempre mentira.
amamos as pessoas piedosas,
ainda que nós sejamos falsos e egoístas.
amamos os grandes poetas,
ainda que nós mesmos sejamos medíocres.
amamos nossa zona de conforto,
ainda que só a zona oposta
nos mova para algo sublime.

amamos a separação que nos une.
amamos as disputas de ego.
amamos muletas, escadas e sombras.

amamos a lua, o sol e as nuvens;
o mar, a terra e o fogo;
o vento, o ar e as árvores.
amamos corpos e fotografias.

amamos música e o silêncio,
o caos, o sangue, e a lenda.


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018





queria compor uma letra
na qual as imagens surgissem
desse olhar fugidio de patrícia
e seu prazer a dois

onde as palavras viessem
corriqueiras a seu dono temporário


e que as luzes da ponte,
nessa noite nublada,
não fossem apenas pontos
de silêncio e angústia
e de caras fechadas.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018




quase canção

que lavra e versa
gera
mede
e tem a forma

opina, escreve
fala, trata
mede
e desforma

e arranha, sangra
afunda, rasga
que é unha

e suja, gruda
encarde
mata
pra dar vida.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018




sobre o poema


gosto de refletir sobre o poema
de como foi escrito
com qual intensidade
se veio espontâneo
ou se levou certo tempo 
a ser lapidado
se a pessoa que o deu forma
entende que palavra é matéria-prima
e matéria-prima não se desperdiça
se ela entende que poema é linguagem
e não verdade ou mentira
se opta pela complexidade
ou pela simplicidade orgânica
em seu estilo definido
ou ainda em construção
se ela se reinventa e procura 
escrever de maneiras diferentes
ou morreu em fórmulas
e modinhas que o tempo
carregará para o limbo
quais são suas referências
se ela as deixa claro ou prefere
camuflar pra não deixá-las
muito em evidência
se mescla estilos
se está antenada com o que está
rolando de novo e contemporâneo
(o poeta é antena
se realmente tem talento
e não força a barra)
se chega a guardar alguns versos 
de poemas que não deram certo
pra depois usá-los em outros poemas
se precisa viajar ou andar sem rumo
para ter ideias
se busca complementar poemas
de outros autores que aprecia
se tenta reescrevê-los
se busca criar pra brincar 
e dialogar com estilos 
se faz colagens com imagens e ideias
se faz arranjos
se brinca com os sons
se o poema toca
se é capaz de fazer parte
da história de alguém
ou da vida de futuros versos.



carminha

carminha e sua mania de dizer sem dizer
de esconder pra deixar ainda mais claro
de escancarar o que não se espera
de uma pessoa tão à toa

essa mania de falar com
máscaras e sons
esse hábito de falar em signos
escondendo indícios só pra
brincar com as pessoas.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018





para fátima

fátima brincou de casinha por 23 anos.
teve uma filha.
seu marido não era grande coisa,
 mas também  não chegava a ser nenhum cretino.

fátima se formou em direito
e advogou por muito tempo.
nunca deslanchou.
talvez não tivesse a frieza pra área.
era muito boazinha: cara de boazinha,
jeito de boazinha, cheiro de boazinha.
desde adolescente queria  se formar
e lutar contra as injustiças.
intensa e louca,
algumas vezes conseguiu;
em outras, quebrou a cara.

fátima tinha 5 irmãos.
de mulheres, só duas, ela e rosa.

rosa e augusto, o irmão mais novo,
foram os bem sucedidos da família.
porém rosa nunca teve filhos 
e adotou depois dos 45.
a filha de fátima até que foi uma filha
que rosa não teve, mas não foi suficiente.
uma queria o que a outra tinha,
no bom sentido.
ambas se completavam e se deram muito bem.
a mãe de fátima conseguiu manter o elo da família
forte e todos se amavam.
fátima merecia esse poema
ou pelo menos algumas palavras de afeto.
o mundo já está muito cheio de filha da putagem
pra não dar o devido valor a quem merece.