segunda-feira, 11 de dezembro de 2017



a fazenda-criança

entre agreste e sertão,
adorava ser grão.
menina, apenas;
brincando na fazenda-criança
de meu tio-avô,
nas férias.

as rãs pulavam do interior
de uma boca imensa.
eu corria pro mato.
me aliviava no mato mesmo.
as rãs viviam em locais frios
e gostavam dos azulejos
e daquela boca imensa.
por isso pulavam de seus lábios
quando a gente chegava perto.

a fazenda ficava à beira da estrada,
e se alguém passasse com fome ou sede
e pedisse algo,
era servido um lanche ou refeição,
dependendo do horário e da ocasião.
eu dormia em colchão de palha
e minha avó cantava canções
pras palavras dormirem
dentro de minhas pálpebras.

subia em árvores, muros e janelas.
me sentia pássaro andando no muro do curral ou quando me pendurava em árvores, bem lá no alto.

muitas vezes me deparei com cobras de vários tipos.
a maior foi uma jiboia e a menor uma coral.
me deparei com cascavéis e cobras d'agua.
aquela região tinha muitas delas.
também havia camaleões, lagartos,
além de famílias de sapos e rãs.
uma vez confundi um sapo cururu
com uma pedra e quase pisei.
foi um susto pra mim e pra ele.

a gente se reunia para assistir tv na sala, inclusive a pessoa que estivesse de passagem.
certa vez, entrou um besouro filhote
no meu ouvido.
comecei a ficar incomodada
e falei com minha avó.
ela duvidou. eu insisti.
a lavadeira que assistia tv com a gente pediu que eu a acompanhasse até a cozinha.
foram juntos os primos e meus avós.
ela encheu a boca de água e cuspiu no meu ouvido.
depois virou minha cabeça de lado
e o besouro saiu, vivo ainda.

brincava no barro após a chuva.
e até de baixo dela.
a chinela cantava.

adorava as estórias que o meu avô contava; e também dos doces da vó, e das brincadeiras dos primos; das visitas as casas de parentes e amigos, que nos recebiam com café passado na hora, bolacha e pão doce.
comia tanto que a barriga doía.

nos dias de feira era uma festa.
não faltava o rosário de coco.
a gente andava de lotação que era uma kombi ou numa rural junto com a feira, as pessoas e os bichos.

algumas vezes dormia na rede
e embaixo dela amanhecia uma poça que não podia ser a minha.
aliás, várias poças, porque o mistério também acontecia com meus primos.
a chinela cantava novamente.

quando eu ficava doente me levavam na rezadeira. tudo era mau olhado.
meu avô sabia muitas receitas para dor de cabeça e de barriga, espinha, verruga e outros. devia ter escrito os seus conhecimentos. agora estão perdidos no tempo.

porém ele tinha uma mania curiosa. gostava de esconder os doces e bolachas que comprava. só os dividia com os seus netos prediletos. eu era a preferida. minha avó brigava com ele. dizia que era falta de educação e fazia ele dividir com todos. ele ficava chateado, mas não entrava em atrito com a coroa. ela sempre mandou em casa.

meu avô não gostava dos netos que matavam passarinho. brigava muito. ele amava os bichinhos.

eu gostava, junto com as primas, de brincar de escola. só tinha um problema, todas queriam ser a professora. a escola não tinha aluno. sempre dava briga.

e agora, mais de 30 anos depois,
"essa criança ainda brinca nessa roda"
e desperta nuvem sem deixar de ser pipa.


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